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quarta-feira, 6 de julho de 2011

Alex, o Fabuloso



Alex, em pose artística 
(Infelizmente para o Branco, a foto não foi tirada na "famosa" sessão)

Em 1966 (não me recordo da data exacta), apareceu na Gabela um circo que se exibiu durante 4 ou 5 dias, sempre com as bancadas da tenda bem compostas de público.

A particularidade que me leva a escrever sobre este circo consiste no facto de a grande atracção do espectáculo não ser nenhum dos artistas que normalmente ligamos à actividade circense: trapezistas, equilibristas, palhaços, contorcionistas, etc. A grande atracção era, neste caso, Alex, “o Fabuloso”, como era conhecido, por força da publicidade, o artista.

Alex era um cançonetista famoso em Angola que cantava, principalmente, canções românticas. Foi, mais do que uma vez, capa da revista “Notícia” - talvez o mais importante órgão da imprensa angolana daquele tempo, cujos números esgotavam com frequência, sobretudo nas cidades da província, como era o caso da Gabela. Eu reservava a minha todas as semanas, para não falhar.

O cançonetista apresentava-se com um vestuário um tanto extravagante para os costumes da altura, usava cabelos loiros cujo comprimento fazia dos Beatles, cujo cabelo “à pagem” era então muito criticado por alguns sectores mais conservadores, meninos de coro, e em palco meneava-se num ritmo quase provocante.

Não tinha uma voz por aí além, mas sabia estar em palco e era capaz de entreter o público, com quem encetava diálogo se se proporcionasse a ocasião.


Capa de um disco
(Aqui, para me contrariar, de cabelo curto)

Foi o que aconteceu na noite de estreia do circo. Sempre que havia qualquer espectáculo a quebrar a vida rotineira da cidade, muitos de nós – militares sem mais nada para fazer – não falhávamos na assistência, como aconteceu naquela noite, com o “meu” grupo.

A dada altura da actuação, o Alex interpretou uma canção em que um dos versos dizia “Estou tão só”. Foi o bastante para que alguém do grupo – não me lembro quem foi, mas até posso ter sido eu - gritou lá para baixo qualquer coisa deste género: “Não estás nada só; só aqui estamos uma data deles”!

O artista interrompeu a canção e começou um diálogo bem humorado connosco, que se foi prolongando nos intervalos das canções, agora já por iniciativa dele, e a que nós íamos dando troco.

Nessa época, eu e mais três camaradas tinhamos deixado de comer na messe de sargentos, descontentes com a alimentação que, como escrevi noutro texto, pagávamos do nosso bolso, e tomávamos as nossas refeições a preço de amigo (embora mais caras do que na messe) no Hotel Guaraná, onde tinhamos ficado alojados quando chegámos à Gabela.

No dia seguinte ao espectáculo, quando entrámos na sala de jantar do Hotel, foi com surpresa que vimos o Alex a almoçar, sozinho, numa das mesas. Estava alojado no Hotel, mas nós não sabíamos. Fizemos um gesto de saudação e sentámo-nos na mesa habitual.

Quando acabámos de almoçar e saimos, ele estava sentado no bar, e nós dirigimo-nos a ele com a intenção de lhe pedir desculpa pela inconveniência da véspera. Respondeu a rir que até tinha tido piada e que se voltássemos, podiamos repetir a brincadeira, porque ajudava a animar a função.


O artista numa festa na Quinta do Conde, em 2009

Entretanto, a conversa prolongou-se, todos concordámos que a noite gabelense era parada e desinteressante e, já não sei como, alguém levantou a ideia de ele fazer uma sessão de fotos artísticas na Foto Branco – um dos dois “estúdios” de fotografia da Gabela, com cujo dono nos dávamos bem -, na noite seguinte, depois do espectáculo. Ele concordou, e nós ficámos de convencer o Branco a fazer uma noitada, que incluiria bebidas e petiscos, de nossa conta.

Nessa tarde, depois de sairmos do quartel, fomos falar com o fotógrafo. Era um homem ainda novo, que residia com a mulher e a filha bébé num primeiro (e último) andar, onde acumulava a residência com o estúdio de fotografia. O Branco mostrou-se reticente em fazer aquele trabalho – que era uma borla -, mas nós convencemo-lo, argumentando com a publicidade que ele teria quando começassem a aparecer as fotos artísticas do Alex por Angola fora, com a indicação “Foto Branco – Gabela”.

A sessão realizou-se mesmo, com um ou outro excesso, de reduzida importância, e o Alex, sensibilizado pela forma com que o tratámos (não era raro ser insultado aqui e ali, sobretudo por militares “machões”, como ele dizia), declarou-se nosso amigo para sempre.

Para sempre não terá sido, mas alguns dos meus camaradas que coincidiram com ele em Luanda, ainda foram algumas vezes a festas em sua casa, quando iam de licença àquela cidade. E que festas, segundo eles!

Das fotos artísticas que ele levou é que não houve mais notícias, nem proveito para o Branco. Mas ele nunca pareceu aborrecido. E também ficou com a recordação de um serão diferente e bem interessante.

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