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quarta-feira, 29 de junho de 2011

Um Domingo Singular


                               

Em baixo, da esq. para a dta.: Pedro (?), Resende, Brandão Pacheco, 
Carnaças e Vaz;

Em cima: Fonseca, Peixoto, Rebelo,  Pereira. ten-cor. Soares, ten. Simões da Silva, Oliveira, ?, Custódio;


Na Gabela, os fins de semana de Maio e Junho de 1966, foram ocupados com a realização de um torneio de futebol, com jogos disputados entre as Companhias do Batalhão. Os jogos efectuavam-se - um em cada fim-de-semana - no Campo da Aricanga, propriedade da ARA-Associação Recreativa do Amboim, graciosamente cedido. 

Aos espectadores era solicitada uma contribuição monetária, revertendo as receitas obtidas para as obras da Casa do Soldado que, como já referi anteriormente, estava a ser construída no quartel por iniciativa da Delegação local do Movimento Nacional Feminino, com recurso à mão de obra do pessoal da CArt 738 (excepto em trabalhos que exigiam maior especialização).

Sendo embora a obtenção de receitas o objectivo principal, estes encontros serviam também para uma sã confraternização dos militares que, embora pertencendo ao mesmo Batalhão, apenas tinham contactos esporádicos, atendendo às distâncias das localidades onde se encontravam instaladas as respectivas unidades.


Calulo

Para um dos domingos de Junho, estava programado o jogo entre a equipa da CArt 739, aquartelada no Calulo (embora tivesse o 4º pelotão destacado em Mussende), e a da CCS, que vinha de Novo Redondo.

A meio da manhã, com a chegada das delegações visitantes, instalou-se a animação no quartel, tendo-se formado vários grupos em entusiasmadas conversas, que continuaram durante o almoço.

O "balde de água gelada", caiu-nos em cima quando, ia a refeição a meio, surgiu uma mensagem que, de súbito, transformou o alegre convívio num triste e pesado silêncio. A referida mensagem determinava que a delegação da CArt 739 deveria regressar de imediato ao Calulo, porque a Companhia tinha recebido ordem de transferência para o Leste de Angola.


Igreja de Mussende

Quarenta e cinco anos depois, ao escrever este texto, ainda sinto um arrepio na pele, como se estivesse, de novo, a viver aquela situação. Parecia-nos a todos – independentemente da Companhia a que pertencíamos - que estávamos a viver um pesadelo.

O almoço acabou rapidamente, e os militares da CArt 739 partiram de regresso à sua unidade sem chegarem a disputar a partida de futebol, num ambiente de grande consternação, partilhado por todos.

Essa consternação tinha razão de ser. Depois dos treze meses de permanência no Norte, onde a CArt 739 já tinha sofrido com a morte de dois camaradas, voltava agora para uma zona onde o inimigo se encontrava igualmente activo, e onde voltaria a ser flagelada pela morte em combate de mais um dos seus homens, o soldado Artur Santos (Palhaço), a quem o Veterano, seu comandante de pelotão, aqui prestou a merecida homenagem. 

A fim de não defraudar os espectadores que se deslocaram ao campo, acabou por se realizar um jogo em que, frente à equipa da CCS, se apresentou uma formação mais ou menos improvisada da CArt 738. A verdade é que jogámos todos por obrigação e completamente desmotivados. Basta atentar nos sintomáticos rostos fechados de quase todos.

 Parafraseando uma velha "máxima" militar, cabia aqui dizer que "El-Rei manda jogar, não manda chorar"!

Não me recordo dos números finais, mas recordo-me que venceu a CCS.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Só Roupa, ou Roupa e Pés?


Gabela - Lavadeiras no rio Mazungue


Tanto quanto me recordo, em Lucunga não haveria mais que cinco ou seis lavadeiras a tratar da nossa roupa.

Na Gabela, o caso mudou de figura. Pode dizer-se que cada um dos interessados podia escolher uma lavadeira com carácter de exclusividade.

Tínhamos sido postos ao corrente desta particularidade, logo nos primeiros contactos com os camaradas que estavam de partida, por terem terminado a comissão de serviço.

De facto, logo no segundo dia apareceram no quartel várias mulheres, a maior parte com pouco mais de vinte anos, quase todas moradoras na sanzala Sétima, a oferecer os serviços da sua especialidade.

Antecipadamente prevenidos, não ficámos surpreendidos quando, ao negociarmos o valor da mensalidade a pagar pelo trabalho, a resposta era antecedida pela pergunta sacramental:

É só para lavar a roupa, ou o meu furriel quer roupa e pés?”


Novo Redondo - Lavadeiras no rio N'Gunza

Normalmente, a quantia a desembolsar pela “lavagem de roupa e pés” era sensivelmente o dobro da simples lavagem de roupa, o que não impediu que um significativo número de camaradas optasse pelo “serviço” completo. Aliás, havia meses em que o valor acordado tinha que ser reforçado, quando a lavadeira aparecia no quartel a entregar a roupa e dizia que já não tinha dinheiro para comprar mais carvão. E lá iam mais uns trocos. Merecidos, de resto, que as roupas andavam sempre impecáveis.

Num blogue bem comportado, como é o caso deste, não é fácil explicar em que consistia a “lavagem de pés”. Porém, para quem leu o post que aqui publiquei, oportunamente, elucido que, grosso modo, se tratava de uma função muito semelhante à da “Lisette”.

Também desta vez, o nosso “Mendonça” foi protagonista de um momento de humor, que resultou de um compreensível equívoco. Quando chamou uma das lavadeiras e lhe perguntou quanto queria receber para lhe lavar a roupa, ela, por sua vez, perguntou-lhe com o ar mais inocente deste mundo:

É só para lavar a roupa, ou quer roupa e pés?”

Não tenho, nem o engenho nem a arte necessários para descrever com realismo a expressão meio espantada, meio envergonhada, do “Mendonça” quando, de rosto vermelho e muito atrapalhado, respondeu:

Não! Não! Nem pensar! Só roupa, eu sou casado!”

Escusado será dizer que as gargalhadas dos circunstantes estalaram de imediato, e o episódio foi motivo para as mais diversas piadas, nos dias seguintes.

Coisas do género: “ Ó “Mendonça” tens os pés sujos?”


Nota: Embora o episódio relatado seja verídico, “Lisette” e “Mendonça” são nomes fictícios

sábado, 18 de junho de 2011

Gabela - Primeiros contactos



Vista aérea da Gabela

O quartel da Gabela ficava “entalado”entre duas sanzalas: a poente, ficava a Sétima, que a separava da cidade branca; a nascente, o Cateco, que se estendia até ao rio Mazungue.
O quartel estava instalado em edifícios que pertenceram, em tempos, a uma missão católica e residência paroquial (*), entretanto adaptados para acolher militares.

Não tinha muros e, tal como em Lucunga, era delimitado por uma cerca de arame farpado.

No edifício principal ficou instalado o comando da Companhia, os alojamentos dos oficiais, a caserna dos praças e a cantina. Nas traseiras funcionava a secretaria, a meias com o alojamento do primeiro-sargento Ramalho (o “Maravilhas” para os “clientes” da messe de sargentos), bem como a cozinha do rancho geral. A sul, ficava o refeitório dos praças, que durante a manhã era utilizado como sala das aulas regimentais, obrigatoriamente frequentadas por quem não tivesse completado a instrução primária. Finalmente, a norte, ficava a messe de sargentos (quartos e “sala” de jantar).

Havia ainda um campo de futebol, que no primeiro contacto nos deixou desapontados devido às suas reduzidas dimensões, o que não impedia que se disputassem renhidas partidas, normalmente com menos de onze de cada lado, e muitas vezes com a colaboração de jovens das sanzalas vizinhas.

Lamentavelmente, não tenho nenhuma fotografia do quartel. De resto, cheguei à conclusão (para a qual não encontro explicação) de que tenho muito menos fotos dos tempos da Gabela do que dos de Lucunga.



Estação de caminho de ferro, em foto com poucos anos. Em 1966 estava pintada de amarelo

Como escrevi no post anterior, o dia seguinte à nossa chegada coincidiu com o dia de Carnaval. Talvez por isso, saímos cedo do quartel e o grupo de que eu fazia parte foi ao hotel, tomar um duche e vestir traje civil, depois do que nos sentámos na esplanada a beber a nossa primeira cerveja “gabelense”, antes de partirmos para o reconhecimento da cidade e dos seus “bares”.


Ainda na esplanada, começámos a ouvir o que nos parecia ser o rufar de tambores, acompanhados de apitos ritmados. Pouco depois, começava a subir a rua um grupo de algumas dezenas de foliões, negros, que tocavam, cantavam e dançavam, dirigindo-se para o centro da cidade.

A Gabela era uma cidade pequena. Recordo que na primeira carta que escrevi para casa, dizia aos meus pais que na “Metrópole”, seria, quando muito, uma vila sede de concelho. Fui percebendo com o tempo que, independentemente da sua dimensão, era uma terra bem interessante.


Sede do ARA em ruínas, anos depois da independência

Os seus moradores dispunham entre outras coisas de um hospital, uma Escola Industrial e Comercial, um Colégio particular (interno e externo) onde era ministrado o ensino liceal, uma escola primária com várias salas de aula, uma estação de Correios, duas farmácias, uma papelaria/livraria, três hóteis, dois clubes (embora um, o Sporting do Amboim, estivesse inactivo, apenas funcionando o bar. O outro, a que todos chamavam “o” ARA (impropriamente, já que sendo o seu nome, ARA-Associação Recreativa do Amboim, devia ser “a” ARA. Mas a instituição ARA merece ter, mais tarde, um post exclusivo), uma igreja católica, uma esquadra da PSP, além de inúmeros estabelecimentos comerciais, dos quais destaco a Londrina (que também era conhecida por A Ladroína, devido aos preços dos artigos) do Sr. David, onde comprei roupa e sapatos, de que me encontrava desfalcado, porque quando vim de férias trouxe, e deixei em casa, quase toda a roupa civil que tinha levado, convencido de que iria fazer toda a comissão no mato.



Sede do ARA depois das obras de reabilitação

Seria imperdoável esquecer a estação e as oficinas do Caminho de Ferro do Amboim, que era um caminho de ferro de via estreita, e que, além de passageiros, servia para o transporte de café - cuja cultura era a principal actividade da região - entre a Gabela e os navios que ancoravam em Porto Amboim.


Nesse dia de Carnaval de 1966, ainda fomos, à noite, espreitar o animado baile que teve lugar no ARA. O salão estava cheio de gente jovem (e menos jovem), incluindo alunos e alunas do Colégio, sendo que estas eram “escoltadas” por pessoal do colégio, sob o olhar atento do prefeito Oliveira e da esposa. Novos no lugar, limitámo-nos a observar o ambiente. A nossa estrondosa entrada no salão de baile teria lugar no baile seguinte. Mas disso talvez venha a escrever mais tarde, ou não.

A nossa noite terminaria no Bar Tropical, à volta de uns pregos no prato, acompanhados das indispensáveis imperiais (que julgo que lá se chamavam finos).


(*) Aquando da publicação deste texto a informação que eu tinha era a de que os edifícios tinham pertencido ao Colégio Santa Isabel, e foi isso que inicialmente escrevi.

Entretanto, o comentador António Fernandes, gabelense que me merece todo o crédito, esclareceu em comentário que os antecessores da tropa eram outros.


Fica a correcção, com os meus agradecimentos.



terça-feira, 14 de junho de 2011

Na Gabela




Vista parcial da Gabela, com o Hotel Guaraná meio encoberto pelas árvores
(À esquerda, a piscina Municipal)

Não me recordo qual era a Companhia que fomos substituir na Gabela, mas recordo-me da carta que o seu comando nos enviou para Lucunga, e que nos sensibilizou tanto como a recepção que foi feita pela CCaç 715, na primeira vez que passámos na Missão do Bembe e de que falei aqui.

Resumindo, a carta começava por fazer uma descrição da cidade que iria ser a nossa durante os doze meses seguintes.

Recordo-me que uma das informações dizia respeito, para nossa surpresa, ao elevado número de bares existentes na cidade. Associando o termo “bares” ao ambiente do Cais do Sodré, em Lisboa, interrogávamo-nos como é que uma cidade pequena teria clientela para “muitos bares”? E foi uma das primeiras explicações que pedimos aos camaradas, já na Gabela, ainda antes de conhecermos o meio. A resposta era simples; os cafés lá, eram designados por bares. O bar do Sporting, o bar do Cine-Amboim, etc.

Porém, a parte mais importante da missiva era constituida, claramente, pela preocupação que os nossos camaradas da Gabela pareciam ter com o nosso conforto, durante a semana de transição de uma Companhia para outra.


O "Bar" Esmeralda, na Gabela, é um vulgar café

Perante a impossibilidade de fornecerem alojamentos apropriados para os oficiais e sargentos no quartel, tinham conseguido preços muito favoráveis em dois hoteis da Gabela: o Avenida, para os oficiais e o Guaraná, para os sargentos. Eles próprios se encarregariam de fazer as reservas para quem estivesse interessado, depois de receberem a nossa resposta.

Creio que todos os oficiais aceitaram a sugestão, bem como a maioria dos sargentos. Recordo-me que, à excepção da primeira noite, partilhei um quarto com duas camas durante toda a semana. Com quem, é que já não me lembro.

Nessa primeira noite fui dormir na casa principal de uma roça de café da CADA – Companhia Angolana de Agricultura (a roça Giraul).

A CADA era então uma das maiores companhias agrícolas de África - se não a maior - e era proprietária, essencialmente, de roças de café, palmar e sisal. Quis o acaso que um dos meus primos fosse o encarregado da roça acima referida, cujas instalações – residências, armazéns, etc. - ficavam situadas junto à estrada Gabela/Novo Redondo, a cerca de 15 kms. da Gabela. Sabendo que eu ia ser colocado nesta cidade, pôs alguém a vigiar a estrada, à espera da passagem da coluna que ia para Novo Redondo. Quando o comboio de viaturas passou, ficou a saber que eu também já tinha chegado.


Residências de trabalhadores da CADA, na Boa Entrada

(A Boa Entrada, era oficialmente uma roça da CADA. Na realidade, era uma pequena cidade, sede da Companhia, onde se vivia com todo o conforto das restantes cidades angolanas. Tinha hospital, clube recreativo - com cinema, piscina e salão de baile -, colégio para os primeiros anos de escolaridade e aeródromo, entre outras comodidades)

Meteu-se no carro e foi à minha procura ao quartel. Entretanto, na roça já se tinham iniciado os preparativos para o churrasco de galinha à angolana, e estava um quarto à minha espera. No dia seguinte, antes do início dos trabalhos na roça – cedo, portanto – viria trazer-me ao quartel.

Confiante no bom acolhimento do capitão Hélio Xavier, com quem tinha um excelente relacionamento, resultado em grande parte do reconhecimento da minha disponibilidade para brincar com os filhos nas horas vagas, (“quem meus filhos beija, minha boca adoça”) fui pedir-lhe autorização para me desenfiar, até à manhã do dia seguinte. Deferido o pedido, passei pelo hotel para fazer o “check-in” , avisar que não ia dormir nessa noite e deixar a bagagem no quarto, e segui para a Giraul ao encontro do resto da família, e de um dos melhores churrascos de sempre.

No dia seguinte, dia de Carnaval, antes das oito horas, estava no quartel, pronto a iniciar uma nova etapa.

Recordações e impressões deste primeiro dia – bem como dos seguintes – serão contadas nos próximos textos.

sábado, 11 de junho de 2011

O Memorial de Belém (Pretexto)


 Monumento aos mortos da Guerra Colonial, com o Forte do Bom Sucesso ao fundo. 
Nas paredes do Forte foram colocadas as placas com os nomes dos nossos mortos

Ao ler, ontem à noite, a notícia da homenagem que os antigos combatentes prestaram aos camaradas que morreram em África, junto ao Memorial de Belém, em Lisboa, e no qual, quer os “chefes” militares, quer as primeiras “figuras” da Nação primaram pela ausência, decidi adiar a publicação do texto que estava previsto (e pronto) para sair hoje, e evocar a memória do Armando Fortes Conde, cujo nome consta daquele Memorial.

Conheci o Fortes Conde quando, em Outubro de 1954, cheguei, transferido de Coimbra, à turma C, do 3º ano do Liceu Gil Vicente, em Lisboa.

Tímido, sem conhecer ninguém, foi o Fortes Conde que começou por entabular conversa comigo, depois de me ter querido dar um calduço da praxe, logo à entrada do Liceu, na convicção de que eu era caloiro. Desfeito o equívoco, tornou-se no meu cicerone e foi-me apresentando ao resto dos colegas.


 Liceu Gil Vicente
(Hoje Escola Secundária Gil Vicente, e com outra cor)


Era um aluno com notas razoáveis, mas muito irrequieto e que, dotado de grande sentido de humor, estava sempre pronto para uma brincadeira.

Lembro-me dele a contar-nos - caricaturando os tiques de Américo Thomaz e dos seus acompanhantes -, as peripécias meio ridículas, a que ele emprestava uma boa dose de comicidade corrosiva, da abertura oficial das aulas no Instituto de Odivelas, a que tinha assistido com os pais porque a irmã era aluna daquele Instituto.

Ou do descaramento com que, brincalhão, se metia, no Largo da Graça, com as alunas da Escola da Voz do Operário, atrevimento que, de vez em quando, pagava levando com a pasta dos livros delas, por onde o apanhavam.


 Aeroporto de Luanda

Depois de sair do Liceu, estive alguns anos sem notícias dele. Reencontrei-o uma única vez, por mero acaso, em 15 de Novembro de 1965, no Aeroporto de Luanda. Eu chegava de Lisboa, onde estivera de férias, e o Fortes Conde esperava um dos passageiros que, salvo erro, lhe levaria uma encomenda. Fizemos uma festa, com toda a gente a olhar para aqueles dois tipos que pareciam malucos.

Fomos tomar um café apressado no bar do Aeroporto, porque ele tinha que saltar para a moto e seguir para a Barragem de Cambambe, onde estava aquartelado o pelotão que comandava.

Trocámos números de telefones para nos encontrarmos depois do regresso a Lisboa.

Voltei a ouvir falar dele no Grafanil quando, no final da comissão de serviço, os Batalhões, entre os quais o meu, formaram para a cerimónia da despedida. Um momento marcante destas cerimónia acontecia quando eram chamados os nomes de todos os militares que tinham morrido durante o período da comissão. A cada nome citado, respondiam, em uníssono, todos os militares, “Presente!” 

 
Barragem de Cambambe

Já comovido pela evocação dos militares do meu Batalhão que tinham tombado em combate, desfiz-me em lágrimas, perante o espanto dos que estavam próximos de mim, quando foi chamado o nome do Armando Fortes Conde.

Depois da cerimónia, os camaradas da sua unidade infomaram-me que ele morrera num acidente com a sua motocicleta. Quando regressava de uma das suas vigens a Luanda despistou-se ao sair da estrada Luanda/Nova Lisboa, provavelmente em excesso de velocidade, e foi embater na placa que sinalizava o desvio para a Barragem. Morreu no local.

Quando eu morava em Lisboa, muito perto da Torre de Belém, visitava de vez em quando o Memorial aos mortos da nossa guerra. O Fortes Conde não era o único que conheci naquela longa lista. Mas a sua morte marcou-me de forma muito particular.

terça-feira, 7 de junho de 2011

A Caminho da Gabela


Luanda - Cruzamento do Polo Norte

Quando iniciei este blogue, não tinha intenção de seguir uma ordem cronológica, semelhante à que nos habituámos a ver num diário (que nunca tive). Verifico, porém, que à excepção do post em que falo da inauguração da Casa do Soldado no quartel da Gabela, tenho contado, sobretudo, episódios que tiveram lugar em Lucunga.

Chegou a altura de dedicar mais atenção às histórias da Gabela (e arredores).

Tanto quanto me recordo, foi com surpresa que recebi (creio que no princípio de 1966), a notícia de que o nosso Batalhão iria ser transferido para o distrito do Quanza-Sul, onde o Comando ficaria instalado na capital da província – Novo Redondo, que passou a chamar-se Sumbe depois de 1975, a CArt 738 na Gabela, a Cart 739 no Calulo e a Cart 740 em Santa Comba (Colonato da Cela), que actualmente se chama Waku Kungo.


Forte da Quibala

A minha surpresa - e a de outros camaradas -, baseava-se no facto de se saber que o comando do Batalhão tinha proposto que a haver mudança, esta se fizesse para outra região da ZIN (Zona de Intervenção Norte), onde oficiais e sargentos continuariam a receber um subsídio de risco no valor de 20% sobre a retribuição mensal, além de terem direito a alojamento e alimentação, o que não acontecia se fossemos (como fomos) para uma zona sem guerra.

Toda a gente sabia que para muitos militares as comissões de serviço em África constituiam uma forma de fazer um razoável pé-de-meia, e no Norte de Angola quem estava no comando dos Batalhões corria um risco diminuto, em comparação com as unidades operacionais. Isso ajuda a explicar a proposta para que continuássemos em zona de guerra.


Vista panorâmica do Colonato da Cela

Com o que o comando não contava era que, em Lisboa, o pai de um dos oficiais tivesse influência bastante para colocar o Batalhão numa zona calma, onde a família do filho se lhe pudesse juntar. Mas foi o que aconteceu.

A generalidade do pessoal recebeu a notícia da mudança para o Sul com enorme alegria. Tanto eu, como os camaradas que me estavam mais próximos ficámos radiantes. Embora pudessemos ter feito algumas poupanças, preferíamos, de longe, a segurança a maiores proveitos.

Se a memória não me atraiçoa, saímos de Lucunga, na sexta-feira, 18 de Fevereiro, e chegámos nesse dia à noite a Luanda, onde ficámos até segunda-feira, 21.

A maior parte do pessoal não tinha voltado à cidade desde que em Janeiro do ano anterior tinhamos partido para Lucunga. Os oficiais e sargentos tinham direito a cinco dias de licença de três em três meses (que no nosso caso dava quase sempre uma semana, jogando com os horários das ligações aéreas), mas nem todos aproveitavam, devido ao custo das viagens e da estadia.




Alexandre (CArt 740) e Fonseca, na Fortaleza de S. Miguel 
(Ao fundo a baía de Luanda)

O fim-de-semana que ali passámos, foi aproveitado para matar saudades das mordomias que uma cidade evoluida como Luanda já era então, proporcionava.

Desta vez não se falou na obrigatoriedade de permanecer no Grafanil. Tinhamos mudado de comandante de Companhia, que era, então, o capitão de Infantaria Hélio Xavier (que, segundo notícias que tive recentemente vive, de boa saúde, em Lagos, onde se dedica à pintura). Era um homem de trato agradável, mais flexível em questões de disciplina do que estávamos habituados, e, embora os princípios instituidos pelo capitão Rubi Marques se mantivessem (felizmente), o dia-a-dia era mais distendido.


Quibala-Sul

Fiquei, como das últimas vezes, no familiar e acessível Hotel Luso.

Aproveitámos para o circuito do costume: cinemas, cervejarias, “boites”, etc. A ocasião serviu também para eu fazer contas e pagar o que devia na Papelaria/Livraria da Marechal Carmona, que durante a minha permanência em Lucunga me enviava “A Bola” (que acabava desfeita depois de passar por tantas mãos), bem como os livros que ia encomendando.

Recarregadas as baterias, a longa coluna partiu, rumo ao Quanza-Sul, na manhã de 21. A CArt 739 foi a primeira a abandonar a coluna, por alturas de Munenga, para seguir em direcção ao Calulo, onde ficaria aquartelada. As restantes unidades seguiram até à Quibala-Sul, onde teria lugar o almoço.


Rua da Gabela, com a Igreja de Santa Isabel, ao fundo

Aqui, é a oportunidade para o relato de um episódio que, na altura, eu e muitos dos meus camaradas mais próximos achámos que era um exemplo de sovinice.

Apesar de nos ter sido fornecido o almoço, em forma de ração de combate (de que estávamos fartos e que detestávamos), uma grande parte do pessoal miliciano abancou nos restaurantes, almoçando e pagando uma refeição feita na hora. Para minha surpresa e dos que me acompanhavam, ao passarmos na zona que dava acesso à sala de refeições do restaurante que escolhemos, constatámos que uma grande parte dos oficiais da CCS e do comando do Batalhão – incluindo os “altos comandos” -, apesar de auferir retribuições muito superiores às nossas, tinha abancado nas mesas do café, alimentando-se com as rações de combate que tinham sido distribuidas.

Mais tarde percebi que era apenas mais uma forma de fazer poupanças. Já bastava a diminuição dos rendimentos, que tinha começado nessa mesma data.

Depois do almoço deu-se nova divisão na coluna. A Cart 740 prosseguiu viagem pela estrada Luanda/Nova Lisboa, até Santa Comba, o seu destino final, enquanto o comando do Batalhão, a CCS e a Cart 738, desviavam para a estrada que levaria atè à Gabela e a Novo Redondo.


Vista panorâmica de Porto Amboim

Perto do fim da tarde chegámos à Gabela, onde se instalaram três pelotões da CArt 738. O 4º pelotão, sob o comando do alferes-miliciano Sebastião Fagundes, prosseguiu viagem para Porto Amboim (com uma praia fantástica), onde ficaria até ao fim da comissão, enquanto o comando de Batalhão e a CCS, continuaram até Novo Redondo, onde permaneceram até Dezembro desse ano, altura em que mudaram para o Lobito.

As razões, bem como as peripécias dessa mudança, ficam para outra ocasião.