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domingo, 16 de janeiro de 2011

Luanda - I

Porto de Luanda

Desembarcámos Luanda em 18 de Janeiro de 1965. Já ia distante o ano de 1961, altura em que os primeiros militares que chegaram depois do início da guerra no Norte desfilavam na Avenida Marginal, vitoriados por milhares de residentes.

A situação tinha mudado, e as circunstâncias que rodearam a nossa chegada estiveram longe de contribuir para animar as hostes.

Alguns militares da minha Companhia choravam, desolados, estranhando as barrocas de terra vermelha que caracterizam a aproximação ao porto de Luanda e que constituíam a primeira visão que tinham antes do desembarque. Ao mesmo tempo, queixavam-se da elevada temperatura àquela hora matutina, bem como da pegajosa humidade que se sentia. Era, para quase todos, um enorme “salto” no desconhecido, atendendo aos nossos pouco mais de vinte verdes anos.

Musseque

O desapontamento generalizou-se quando verificámos que o comboio que nos transportaria do porto de Luanda até ao quartel, no Grafanil, onde as unidades permaneceriam até à partida para o Norte, tinha apenas meia dúzia de carruagens de passageiros, sendo a restante composição constituída por vagões de mercadorias fechados, com uma larga porta de cada lado onde viajámos de pé em condições mais parecidas com as de um transporte de gado. A via férrea atravessava vários muceques onde a miséria era por demais evidente, e isso também não ajudou a melhorar o nosso estado de espírito. 

Desta forma, facilmente se compreende que o moral não fosse particularmente elevado quando, chegados ao Grafanil, saltámos dos vagões para o terreno arenoso.

Depois de formados à entrada do quartel iniciámos o desfile até ao local onde ficaríamos alojados. 

Entrada do Grafanil

Durante o tempo de instrução no RAL1 fomos treinando, por iniciativa do comandante da Companhia, uma espectacular forma de marchar a que ele chamava  “o passo de parada”. No passado tínhamos marchado assim algumas vezes, a última das quais durante o desfile no Cais da Rocha Conde d'Óbidos. Porém, o desalento naquela manhã era de tal ordem que, sem que tivesse havido combinação prévia, o “passo de parada” não saiu. Apesar das repetidas ordens, cada vez mais gritadas, o pessoal andava mais do que marchava. O nosso comandante de Companhia estava mais que descontente; estava furioso.

Mas, confirmando um velho princípio, quando as coisas podem piorar, pioram mesmo. E foi o caso.

Não esperávamos ter à nossa espera alojamentos luxuosos, mas esperávamos, pelo menos, ficar instalados em edificações pré-fabricadas. Porém, o que tínhamos à nossa espera  para passar os cinco dias que ali iríamos ficar eram pequenas tendas de três panos para alojar, cada uma, três militares com as respectivas bagagens. Aí, e embora  se soubesse que isso não resolveria nada, exercemos aquilo a que, anos mais tarde, um presidente da República chamaria de "direito à indignação", e não calámos o nosso  descontentamento. Cumpridor das normas, o capitão Rubi Marques limitou-se a avisar que todos (incluindo ele próprio) ficariam nas tendas.

Um aspecto do Campo Militar do Grafanil

No entanto, as coisas não se passaram bem assim. Da minha Companhia fazia parte o furriel-miliciano José Rodrigues que, apesar de ser o mais jovem furriel desta unidade ia já na segunda comissão em Angola (por troca com um camarada), pois tinha assentado praça, voluntariamente, aos 18 anos, e a sua experiência seria decisiva para que, ao fim da tarde, um pequeno grupo de que fiz parte, se “desenfiasse”, evitando dormir nas malfadadas tendas.

Conhecendo as rotinas do quartel o Rodrigues sabia que havia sempre viaturas a sair do Grafanil para Luanda, e vice-versa. Sabia também que não havia qualquer tipo de controlo, pelo que bastaria que fossemos até à porta de armas e apanhássemos boleia numa dessas viaturas. Assim fizemos, e em Luanda ficámos numa moradia, na Avenida Marechal Carmona, cuja dona ele já conhecia e que alugava quartos a militares.

Luanda - Avenida Marechal Carmona

Nessa primeira noite (e nos dias seguintes) o Rodrigues revelar-se-ia um precioso cicerone. 

Jantámos na Baixa, na Cervejaria Amazonas (que viria a ser, não só nesses poucos dias mas também nas deslocações que depois fizemos a Luanda, uma espécie de cantina para muitos de nós), e andámos a conhecer algumas boites da cidade (nesse tempo, para nós, discotecas eram lojas que vendiam discos). 



Deitámo-nos tarde, pedindo que nos acordassem às seis horas. Nem tomámos pequeno-almoço. Apanhámos dois táxis e seguimos para o Grafanil, onde aparentemente a nossa ausência não fora notada. É claro que a nossa saída era do conhecimento de alguns. E a notícia da infracção acabou por chegar mais acima, mas sem consequências.

Os camaradas que lá tinham pernoitado pouco ou nada dormiram. Os mosquitos atacaram em massa, deixando na pele do pessoal as marcas da sua acção, acompanhadas por um forte prurido. Dentro da minha tenda, que tinha ficado só com a bagagem, havia uma nuvem de mosquitos. Do que nos livrámos...

Nesse dia, e nos seguintes, as ordens foram alteradas. O comandante da Companhia passou a autorizar as dormidas em Luanda, excepto, naturalmente, para quem estivesse de serviço.

E, nos dias seguintes ao fim da tarde, lá partíamos à descoberta da cidade e à recarga das baterias para a permanência no “mato”, que nos esperava.

Dessa descoberta "falarei" no próximo post.

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